ARTIGOS
SIMBIOSES DE UM CONFLITO. DESPLAZAMIENTO E IDENTIDADE NEGRA NA COLÔMBIA
SIMBIOSIS DE UN CONFLICTO. DESPLAZAMIENTO FORZADO E IDENTIDAD NEGRA EN COLOMBIA
SYMBIOSIS OF A CONFLICT: FORCED DISPLACEMENT AND BLACK IDENTITY IN COLOMBIA
VERA RODRÍGUES1
1 Universidade Internacional da Integração da Lusofonia Afro–brasileira, Fortaleza, Brasil. vera.rodrigues@unilab.edu.br
Artículo de reflexión: recibido 27/08/13 y aprobado 08/10/2013
RESUMO
Colômbia é a nação que ocupa o segundo lugar em população negra na América Latina, depois do Brasil; é também o cenário de um fenômeno social que afeta esta fração da população de maneira rigorosa: o deslocamento forçado. Desde uma perspectiva antropológica, este artigo analisa as políticas e as leis promulgadas para garantir os direitos da população afro–colombiana deslocada, salientando as contradições e limites destas normativas. O documento propõe–se ressaltar alguns pontos de conflito nas relações étnico–raciais, inerentes ao diálogo entre o Estado e a sociedade colombiana.
Palavras–chave: Relações étnico–raciais, Colômbia, conflito, deslocamento, Direitos Humanos.
ABSTRACT
Colombia, home to the second largest black population in Latin America after Brazil, has experienced a social phenomenon that severely affects this segment of the population: forced displacement. By applying an anthropological perspective to the subject, this article analyzes policies and laws enacted to guarantee the rights of the displaced Afro– Colombian population, making note of their contradictions and limits. It proposes to raise some points of conflict in ethno–racial relations that pervade the dialogue between the state and Colombian society.
Key words: ethnic–racial relations, Colombia, Conflict, Displacement, Human Rights.
RESUMEN
Colombia, poseedora de la segunda mayor población negra en América después de Brasil, promueve un fenómeno social que afecta gravemente a este segmento de la población: el desplazamiento forzado. Apoyado en una perspectiva antropológica, este artículo analiza las políticas y leyes promulgadas para garantizar los derechos de la población afrocolombiana desplazada, apuntando sus contradicciones y límites. Este trabajo tiene por propósito plantear algunos puntos de conflicto en las relaciones étnico–raciales que atraviesan el diálogo entre el Estado y la sociedad colombiana.
Palabras clave: Relaciones etnicorraciales, Colombia, conflicto, desplazamiento, Derechos Humanos.
Introdução
Os anos noventa do século XX foram marcados por conflitos em diferentes partes do mundo, gerando milhares de refugiados. Em 1991, no leste europeu, a exrepública da Iugoslávia foi o cenário de uma sangrenta faxina étnica que fez dos povos não sérvios –albaneses, bósnios e croatas –um contingente populacional 'estrangeiro' dentro das próprias fronteiras nacionais. No continente africano, em 1994 ocorreu o evento crítico conhecido como o genocídio de Ruanda. As tensões históricas entre tutsis e hutus, geradas no contexto do jogo político colonial, deflagraram um massacre generalizado e o deslocamento territorial forçado. Entre 1998 e 1999 estima–se que 650.000 hutus passaram a condição de refugiados dentro do seu próprio país. Esses dois casos ilustram o conceito de desterro ou desplazamiento definido pelo IDCM – Internal Displacement Monitorin Centre – entidade internacional surgida em 1998 como parte das ações de assistência humanitária para refugiados e deslocados territorialmente do Norwegian Refugee Council (NRC).1 Segundo o IDCM, trata–se de uma grave situação em que:
pessoas ou grupos de pessoas são forçadas, obrigadas a fugir ou a abandonar as suas casas ou locais de residência habitual, em especial como um resultado ou para evitar os efeitos dos conflitos armados, situações de violência generalizada, violações dos direitos humanos, catástrofes naturais ou provocadas pela ação humana e que não cruzaram uma fronteira estatal internacionalmente reconhecida.
O monitoramento do IDCM, em escala mundial, permite avaliar a situação vivida atualmente por milhares de pessoas nos continentes americano, africano, asiático e europeu. Definidas como IDP –Internally Displaced Persons– protagonizam um deslocamento territorial coercitivo ou involuntário dentro das fronteiras nacionais. Em termos de países, os casos mais recentes são Libia e Afeganistão. No primeiro caso, entre os efeitos das rebeliões populares no norte da Àfrica em prol de reformas democráticas, ocorre desde fevereiro de 2011 o deslocamento forçado de mais de 106.000 pessoas provenientes, em sua maioria, das regiões de Benghazy, Ajdabiya e Tubruq. Já o Afeganistão possui aproximadamente 1,2% de sua população (352.000 pessoas) vivendo em situação de deslocamento forçado desde 2001. As causas vão dos conflitos armados e a violência generalizada às violações de direitos humanos. Na tabela abaixo é possível constatar em números o impacto global dessa realidade:
Nota–se que a Colômbia figura em dois momentos: como país com mais de um milhão de desplazados e com ocorrência de deslocamentos recentes. A combinação desses fatores aponta para o desplazamiento colombiano com expressiva representação no cenário mundial. Isso implica, obviamente, em atentarmos para as circunstâncias que circunscrevem esse quadro situacional, mas especialmente para as consequências e para quem as sofre de forma mais intensa. Por esse motivo, vamos explorar a conjuntura do caso colombiano direcionando nossa análise para a dinâmica das relações entre Estado e sociedade, privilegiando um olhar para as desigualdades etnicorraciais, as políticas públicas de combate a tais desigualdades e o contexto político vivido pela população afrocolombiana, a qual é o maior grupo social em situação de desplazamiento.
O Estado colombiano e as desigualdades etnicorraciais
No início desse artigo enfatizei a década de noventa como marco temporal para analisar o displacement ou desplazamiento, agora estabeleço outro foco que se situa nesse mesmo período: o uso da categoria afrolatinos2 empregada para designar as populações negras da América Latina. Utilizo esta categoria para explicar a correlação entre desplazados e afrolatinos, mais precisamente os afrocolombianos que desejo explorar a seguir. O termo 'afrocolombiano', de uso mais corrente, além de nomear o segmento populacional, estabelece critérios de pertencimento identitário e foi incorporado nas análises sobre exclusão social e discriminação racial e, consequentemente às reivindicações por políticas públicas focadas nessas populações. Os afrocolombianos emergem como sujeitos políticos no contexto da assembleia constituinte de 1991, cuja nova constituição reconheceu a nação como multicultural, bem como incluiu uma legislação de garantia de direitos territoriais e culturais para minorias étnicas, no caso os povos indígenas. No entanto, as articulações entre movimentos sociais e organizações de base (igreja católica, entidades que reuniam camponeses, pescadores, agricultores, etc), muitas delas formadas por povos indígenas e afrocolombianos, conseguiram a extensão desses direitos para esses últimos.
Antes de seguirmos adiante, cabe explicitar os significados de 'grupo étnico' e 'afrocolombianos/negros' no contexto colombiano. O antropólogo colombiano Eduardo Restrepo (2002) chama a atenção para a construção da etnicização, no caso colombiano, como um processo político em que populações negras colombianas passaram a ser vistas como 'comunidades negras', em outras palavras como grupos étnicos portadores de especificidades identitárias e territoriais, práticas tradicionais de produção e direitos específicos.
Esse enquadramento como grupo étnico resulta de uma mudança de paradigma no cenário latino americano, lembrando que no Brasil isso também ocorre em relação às comunidades quilombolas quando da emergência, através da luta política de diversos atores sociais (movimentos sociais, organizações direitos humanos, organismos internacionais, etc), os chamados novos sujeitos de direitos políticos. Este novo paradigma acompanha os processos de redemocratização em países como Brasil e Colômbia, bem como os debates transnacionais sobre multiculturalismo, cidadania e direitos humanos.
Nessa dinâmica social o Estado, por meio de marcos legais e normativos, classifica como afrocolombiano/negro aqueles que apresentam 'ascendência africana reconhecida e que possuam traços culturais de singularidade como grupo humano, partilham uma tradição e conservam costumes próprios que revelam uma identidade que os distingue de outros grupos, independente de morarem no campo ou cidade. Também são conhecidos como população negra, afrodescendentes , entre outros'.3
Essa classificação apresenta também uma configuração geográfica, já que a presença dessa população é associada com aqueles territórios historicamente ocupados por africanos escravizados no período colonial e seus descendentes. A região com maior presença de afrocolombianos é o pacífico colombiano, uma área de 71.000 km2 valorizada pelas riquezas naturais de sua biodiversidade e composta por territórios indígenas e afrocolombianos. Nessa região os territórios afrocolombianos mais expressivos são Choco com 82%; San Andres (57%), Bolívar (27,6%), Valle Del Cauca (27,2%), Cauca (22,2%) e Narino (18,8%). Para além do Pacífico, também os centros urbanos de Bogotá , Medellin e Callí são representativos com 1,5%, 6,5% e 26,2%.
De acordo com dados oficiais, revelados no censo colombiano de 2005, a população afrocolombiana consiste em 4.273.722 pessoas, sendo que isso equivale a 10,62% do total da população colombiana, calculada em 41.468.384. Vale dizer que esse percentual de 10,62% é contestado por organizações do movimento afrocolombiano, especialmente PCN –Processo de Comunidades Negras– as quais projetam um índice demográfico de 26%. O debate sobre as estatísticas populacionais revela, segundo Bejarano (2010), a luta política das organizações afrocolombianas para incidir diretamente na realização do censo 2005 e promover uma valoração positiva da auto–identificação negra. Para isso, no ano anterior ao censo, o PCN e outras organizações formaram a 'Mesa de Trabajo Nacional Afrocolombiana para el Censo 2005', objetivando ações de sensibilização da população negra para a auto–identificação ,como por exemplo a campanha 'Las Caras Lindas de mi Gente Negra'.
A inclusão do quesito étnico no censo representa os avanços na esfera pública de temáticas referentes à identidade etnicorracial e políticas públicas reparatórias para populações negras e indígenas. &00; nesse contexto que as populações negras despontam da invisibilidade social histórica –no que diz respeito à conquista de direitos sociais–, bem como de experiências concretas de desigualdade sociorracial, para a construção de possibilidades de alteração na dinâmica das relações entre Estado e sociedade.
Quando uso o termo 'possibilidades' quero indicar que não houve, por si só, uma ruptura absoluta com a ordem social construída em cima de uma idéia de nação mestiça, monocultural e racialmente hierárquica. Por conta disso, o quadro situacional dos afrocolombianos ainda apresenta desigualdades estruturais presentes no acesso à educação, mercado de trabalho e saúde, apenas para citar três áreas emblemáticas. Em paralelo, ocorrem situações de discriminação racial agravadas por fenômenos como o desplazamiento, conflito armado e os limites da eficácia estatal no trato dessas problemáticas.
Esse quadro situacional está posto nos resultados da pesquisa4 desenvolvida por López et al (2009) sobre desigualdades sóciodemográficas e socioeconômicas, mercado de trabalho e discriminação etnicorracial. Entre as conclusões da pesquisa está a de que apesar das variações regionais, é forte a desigualdade medida nos indicadores sociais de esperança de vida, taxas de analfabetismo, posição no mercado de trabalho e vulnerabilidade social causada pelo conflito armado e o desplazamiento. Essas conclusões também constam do relatório da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, o qual foi sintetizado pela organização afrocolombiana PCN – Proceso de Comunidades Negras, conforme dados abaixo:
En Colombia, el desempleo afecta con fuerza especial a los jóvenes, a las mujeres, a los más pobres y a otras poblaciones en situación de vulnerabilidad y dentro de estos la población afro colombiana es la que con mayor frecuencia presenta niveles por debajo de la línea de pobreza. (2003). El desempleo llegó a 44.7% entre los menores de 17 años y a 34.8% entre los jóvenes hasta los 24 a años; la situación se torna más dramática todavía entre las mujeres de estas mismas edades pues los Índices llegaron a 51.9% y 39.1%, respectivamente. En ciudades de mayor concentración afro colombiana como Buenaventura, el nivel pobreza, se explica entre otras, por la alta tasa de desempleo (29%), subempleo (35%) y los bajos niveles salariales (63% de los ocupados ganan menos de un salario mínimo), que impiden que los miembros de los hogares lleven los recursos necesarios para cubrir las necesidades de alimentos y el consumo de otros bienes y servicios básicos. (PCN, 2007)
Diante do quadro inequívoco das assimetrias etnicorraciais o Estado colombiano tem sido pressionado, interna e externamente, a implementar políticas públicas de ações afirmativas que reparem as exclusões sociais motivadas pelo racismo e sexismo. Essa pressão é gerada na convergência entre as ações da sociedade civil organizada, leia–se as organizações do movimento afrocolombiano e de defesa dos direitos humanos, em paralelo com instituições financeiras de desenvolvimento (BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento) e organismos de cooperação internacional (Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos).
Como parte das ações de pressão ao Estado está a cobrança pelo cumprimento dos acordos internacionais dos quais a Colômbia é signatária: Convenção no 169 da Organização Internacional do Trabalho – OIT sobre Povos Indígenas e Tribais; Declaração e Plano de Ação de Durban para Superação do Racismo, da Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância. Por sua vez, essa cobrança tem produzido uma legislação nacional que fundamenta e legitima a construção de políticas públicas de ações afirmativas: a Lei 70/1993 que reconhece a identidade cultural e os direitos territoriais das comunidades negras e, a Lei 387/ 1997 que adota medidas de prevenção ao desplazamiento.
A primeira embasa o Plan Integral de Largo Plazo para la Población Negra, Afrocolombiana, Palenquera y Raizal, o qual se constitui em um conjunto de programas e políticas de desenvolvimento socioeconômico a serem efetivados entre 2010 e 2019. A seguir vem o SNAID – Sistema Nacional de Atención Integral a la Población Desplazada, o qual vem com a missão de sistematizar informações e prover os serviços públicos de atendimento aos desplazados. No entanto, a existência formal de leis e políticas não é a garantia da concretude dos propósitos expostos. Tanto o plano integral quanto o SNAID são alvo de críticas quanto ao seu alcance e eficácia. Isso resulta do conflito de interesses entre diferentes atores sociais, das barreiras burocráticas e do racismo institucional que perpassa as instituições governamentais.
O resultado é que o público alvo, a população afrocolombiana, acaba por sofrer as conseqüências das dinâmicas da violência que comprometem suas vidas e territórios. A fim de melhor entender esse aspecto, examinaremos a seguir o desplazamiento pelo viés da política pública e da realidade vivenciada pelos desplazados.
Desplazamiento: entre a política pública e a realidade dos desplazados
Em 1995, o Estado colombiano reconheceu pela primeira vez o desplazamiento como um fenômeno importante e com graves conseqüências sociais. A face visível do fenômeno eram as populações, naquele momento estimadas em 600.000 pessoas, que migravam forçosamente para centros urbanos em condições de vulnerabilidade social. A causa oficial, e também a face invisível disso, eram as constantes violações de direitos humanitários a que eram submetidas pelos atores do conflito armado (guerrilheiros e paramilitares) até culminar na expulsão territorial. Esse reconhecimento veio por meio do Programa Nacional de Atenção Integral a População Desplazada por Violência, um documento elaborado pelo Consejo Nacional de Política Económica y Social e que se propunha a garantir três pontos:
A linha de atuação do Programa eram as ações de prevenção, proteção, atenção humanitária e acesso aos programas sociais do governo. Naquele momento, a política não fazia um recorte etnicorracial para o publico alvo, mas apenas recorte de gênero e geracional, pois as mulheres e jovens eram 58,2% da população desplazada e, portanto público prioritário. Onze anos se passaram até que em 2004 a Corte Constitucional – instância máxima do poder judiciário encarregada das demandas constitucionais – avaliou a política como deficitária (dadas as constantes violações de direitos humanos), bem como excludente (haja vista que não contempla o recorte etnicorracial no seu desenho e aplicação, o que acarretava na ausência de foco na população afrocolombiana e indígena).
Como sugerem Garavito et al (2009) o enfoque diferencial que incluía as perdas culturais e territoriais dessas populações passou a compor uma linha de atuação focada no tripé território–violência–desplazamiento. A Corte Constitucional continuou a se pronunciar nos anos seguintes sobre o cumprimento das obrigações do estado colombiano, sobretudo em relação ao que denominou como 'direito especial ao território': proteção aos territórios ancestrais, às formas coletivas de propriedade, às práticas de produção e organização interna.
A atenção à problemática territorial levou o Estado à produção de informações e diagnósticos sociais sobre a população desplazada que incluísse a variável etnicorracial. Assim, duas medidas foram tomadas: para começar, a criação da 'Rede Nacional de Informação para Atenção à População Desplazada' com o objetivo de identificar e diagnosticar situações que obrigam ao desplazamiento, além de fazer o perfil da população atingida. Esse perfil é feito via o RUPD – Registro Único de População Desplazada. Os dados obtidos alimentam o SIPOD – Sistema de Informação de População Desplazada, que por sua vez constitui a base de dados do SNAIPD – Sistema Nacional de Atención Integral a la Población Desplazada.
Assim, em 2008 sabia–se que 35,6% dos desplazados eram afrocolombianos e destes 19,9% eram mulheres. No entanto não era possível saber, por exemplo, a proporção de afrocolombianos desplazados dentro de um mesmo município ou aqueles que mudaram de município por conta da desplazamiento. Essas e outras limitações ocorreram por falhas no sistema, tais como o subregistro de pessoas, a inadequações de formulários aplicados e a restrição temporal para registro como desplazado. Para os autores de 'El Desplazamiento Afro', essas falhas podem ter comprometido o acesso aos serviços governamentais de ajuda pela população afrocolombiana. Em linhas gerais, significa o agravamento da vulnerabilidade social pela situação de abandono, empobrecimento, ruptura de laços familiares e deterioração na saúde e alimentação.
As dinâmicas dos desplazamientos fogem ao escopo deste artigo, mas é importante frisar o papel central do narcotráfico e dos grupos armados nestas geografias da violência com o já tratado pela literatura colombiana sobre o assunto ( ver por exemplo Oslender 2008). A expansão dos monocultivo da palma africana, o narcotráfico e as ameaças à vida e integridade física dos seus moradores ocupam lugar de destaque aqui: conforme dados do SNAIPD, só as ameaças foram responsáveis por 42,8% dos casos de desplazamiento entre os afrocolombianos. No caso das mulheres a violência sexual ocorreu em 20% dos casos. Outro agravante é a atuação negativa do próprio Estado que através de megaprojetos de desenvolvimento regional (hidrelétricas, rodovias, fumigação aérea de cultivos ilícitos, etc) alia–se aos interesses privados econômicos de exploração de recursos naturais.
A titulação dos territórios coletivos das comunidades negras é a resposta mais urgente para a garantia da reprodução física e cultural das populações uma vez que o desplazamiento esta intimamente ligado ao quadro situacional de violência, exploração e concentração da terra. Isso é que ocorre na região do pacífico colombiano, área de maior concentração de comunidades negras e de ocorrência de titulação desde a Lei 70/1993, além de ter sido declarada como ecossistema de interesse nacional. No entanto, essa é uma região que registra altos índices de expulsão de populações afrocolombianas. O paradoxo entre a titulação e o desplazamiento pode ser mais bem observado nas tabelas comparativas entre os dois fenômenos:
Na análise dos dados duas variáveis chamam a atenção: inicialmente, a diferença entre o número total de pessoas beneficiadas pela titulação territorial (341.415) e o total de desplazados (1.154.129) na mesma região. Ainda que ocorra um período de dois anos entre os levantamentos do INCODER (2007) e do SIPOD (2009), é bem possível que o quadro geral não tenha se alterado significativamente. Isso levanta a hipótese de que o desplazamiento está se sobrepondo à titulação e afetando desproporcionalmente as populações.
Outra variável a destacar é o elevado número de desplazados/NR que declara seu pertencimento étnico. Levando em conta que, segundo López e Echiverria (2007) 90% dos habitantes do pacífico são negros/afrocolombianos, 6% povos indígenas e 4% de comunidades mestiças, é possível supor que os 'não–declarados' estejam na primeira categoria. Mas, sendo assim, qual seria a explicação para a não–declaração? Para Garavito et al (2009) o problema está na inadequação do formulário de inscrição, pois o formato de pergunta fechada limita a resposta ao pertencimento étnico com um 'sim' ou 'não'. Sendo assim, pergunta–se apenas se a pessoa pertence a uma minoria étnica, mas não possibilita que ela responda em qual grupo étnico se reconhece (afrocolombiano, negro, palenquero, indígena, rom ou raizal). Isso acarreta que 75% da caracterização étnica corresponda às categorias 'não sabe/não respondeu' ou dado 'não disponível'.
Além disso, ocorre a interpretação restritiva das normas legais que caracteriza alguém como desplazado, por parte dos funcionários públicos encarregados de validar as inscrições. Legalmente, desplazado é aquele/a cuja vida ou integridade física está ameaçada por circunstâncias derivadas do conflito armado. Com base nessa lógica, o funcionário decide se a pessoa ou grupo familiar pode ou não ser incluído no Registro Unico de Pópulação Desplazada. Tal conduta decorre de falha na elaboração da política pública em considerar outras relações político–econômicas, como por exemplo, as fumigações e a ação das forças armadas nos territórios.
Nesse apanhado da política pública e dos dados referentes ao quadro situacional dos afrocolombianos desplazados é possível concordar com Giraldo (2010) quando a autora enfatiza em relação à política pública à falta de clareza nas normas, contradições, divergências e omissões. Em relação ao Estado, a falta de correspondência entre o discurso normativo e institucional e as realidades sócio–territoriais e, em relação às comunidades negras afrocolombianas a persistência da discriminação–exclusão–marginalização–genocidio e desterritorialização. O nexus entre política pública/ação estatal/realidade social ficará mais transparente na análise, a seguir, do caso das comunidades negras do departamento de Narino.
Histórias de vida e horizontes possíveis em Narino
Dentre os cinco departamentos5 que compõem a região do pacífico colombiano está Nariño, localizado em uma área de 33.265 km2 e com uma população total de 326.564, sendo 270.530 afrocolombianos. Os territórios das comunidades (18,3%) estão no centro de uma disputa que envolve a exploração de riquezas naturais, zonas estratégicas de fronteira e para implementação de megaprojetos.
Os relatos a seguir são baseados em trabalho de campo, em 2009, com lideranças na cidade de Tumaco, o epicentro do atual conflito territorial en Narino. Em 27 de agosto daquele ano, exatamente no dia em que completava dezesseis anos da Lei 70, eu entrevistei Maria,6 uma mulher afrocolombiana que teve os pais e o companheiro assassinados naquilo que ela denominou como 'confrontos de interesse pela terra'. Desde 2001, ocasião das mortes, Maria tornou–se uma desplazada. No seu deslocamento forçado percorreu cidades como Calí e Bogotá, além de ter passado um período no Brasil como forma de proteger–se das constantes ameaças de ser assassinada.
Ela participou ativamente como representante local na assembleia constituinte de 1991 que definiu a Lei 70. No entanto, a Lei foi insuficiente para garantir a concretude dos direitos étnicos e territoriais frente aos interesses contrários que incidiam sobre os territórios. A sua comunidade foi parcialmente titulada devido à lentidão do processo de homologacão das terras e `a violência. A violência tem refletido na pouca ocupação das terras ( hoje é de 35 dos 182 hectares originais). Além disso, o desplazamiento atingiu as 450 famílias que lá viviam, sendo que em 2009 só 13 delas lá permaneciam 'resistindo'.
Para ela, o desplazamiento possui dimensões que são reconhecidas pelo Estado e outras que são negadas. No primeiro grupo, estão às circunstâncias que envolvem o conflito armado e o narcotráfico como causas e justificativas para uma política de contenção e/ou reversão do desplazamiento. No segundo grupo, estão a exploração das riquezas naturais da região (madeira, petróleo, esmeraldas, dentre outras) por empresas nacionais e estrangeiras; os megaprojetos de desenvolvimento capitaneados pelo próprio Estado e a 'limpeza étnica' promovida pela ação desses atores sociais.
Em relação à 'limpeza étnica' Maria diz que essa é uma reclamação corrente na região, sendo freqüentemente usada como instrumento de violência ou intimidação. Aqui, o racismo toma a forma da eliminação física ou expulsão das populações indígenas e afrocolombianas consideradas como 'inferiores'. Quando o assunto é a eliminação dessas populações, uma ferramenta usual tem sido as fumigações aéreas com glifosato. Justificadas como ação de segurança pública e combate ao narcotráfico, são responsáveis não só pelo desplazamiento, mas também pelas crises alimentares que impedem os cultivos tradicionais (milho, banana, cacau), bem como os problemas de saúde decorrentes do contato com o produto químico.
Uma saída, literal, para fugir dessa situação de opressão tem sido o pedido de asilo em países vizinhos. Em 2005, segundo dados do ACNUR – Alto Comissariado da ONU para Refugiados – o Equador recebeu 7091 pedidos; A Venezuela 1658 e o Panamá 435. Esses pedidos não foram atendidos em sua maioria, já que se torna uma situação muito difícil para esses países acolher a todos os desplazados. Outro informe expõe o aumento dos casos de desplazamiento massivo: foram 15 eventos em 2005 que representaram um aumento de 114% em relação ao ano anterior e afetaram 7.970 pessoas.
O município de Tumaco é a zona de maior vulnerabilidade, em decorrência da forte presença de atores armados, fumigações e movimentos populacionais. Ainda assim, para Maria existe um horizonte possível:
[...] Tenho esperança em que algum momento essa guerra termine. Eu possa voltar e organizar a vida com meus companheiros para ter acesso à terra e andar tranquilamente..algum dia..não sei quando. Nem tudo está perdido. Há esperanças de continuar!
Esse horizonte possível também transpareceu no depoimento de um casal de lideranças do território de Choco. Eles estavam 'refugiados' em Bogotá, pois além de sofrerem com o desplazamiento também estavam ameaçados de morte. Para identificá–los usarei os nomes fictícios de Luiz e Luiza.
Luiz – Bueno, nosotros somos de comunidades negras del litoral Pacífico, el Pacifico chocoano. Nosotros fomos desplaziados en el ano 1997 por una operación militar llamada Genesis . Nosotros fomos ao Panama porque el território se queda exactamente ao norte da Colombia, limite com o Panama para esse corredor del pacifico. Fomos desplazados nesta época, como te dicia, por essa operação militar que genero muchissimas mortes, desapariciones, torturas y nos tiraram todo: casa, cultivo y fomos ao Panama um grupo de personas nos negaram asilo y posteriormente fomos repatriados ao nostro pais, à costa del pacífico, e certamente ao municipio de Baía Solano. Bueno, e estando lá inicialmente nos diziam que a operação militar era para acabar com a guerrilha. Bom, isto não tem nada a ver. O problema real não era a guerrilha, sim os territórios de comunidades negras que temos habitado ancestralmente. Por eso fomos desposados de nuestros territórios. Asi entre os anos de 2000–2002 retornamos aos nossos territórios. retornamos organizadamente como uma organização que demos o nome de CAVIDA, la sigla. Significa comunidade. autodeterminación , vida y dignidad. Este tem sido todo o processo. Através de la Lei 97 nos organizamos y nos ponemos lutando por esse território.
Na fala do entrevistado estão presentes as lembranças das causas do desplazamiento. Uma operação militar, mas que conforme ele diz tinha como verdadeira intenção não o combate ao narcotráfico e sim a expulsão territorial de populações negras e indígenas. Sobre a operação Gênesis sabemos que teve inicio no final de 1996, supostamente voltada ao combate contra as FARCS. Em fevereiro de 1997, a região do rio Medio–Atrato foi bombardeada atingindo os territórios de Salaqui, Cacarica e Truandó. O resultado foi um massacre com mortos e 87 desaparecidos, além de 5.000 desplazados que buscaram abrigo em outros territórios do pacifico colombiano; em cidades como Medellin e até em outros países como o Panamá.
Nesses quinze anos transcorridos, o massacre tornou–se um dos marcos de violações de direitos humanos na Colômbia. Nesse momento da história de vida deles, a volta para o território só ocorre pela via da organização política com o respaldo da Lei 387/97, decretada no mesmo ano do massacre como resposta à pressão internacional pela defesa dos direitos humanos. Nessa ocasião é criado Plan Nacional para la Atención Integral a la Población Desplazada por la Violencia; muito embora considerado um plano falho, se tornou o principal mecanismo para exigir garantias e proteção do Estado.
Território, Guerrilha e Megaprojetos
Luiz – Esse territorio pelo que sabemos tem muchissimos projetos y megaprojetos de muy alta envergadura. Ese és o caso de la carretera Panamericana que tem enlace com el projeto ponte Panama que venia del Mexico, Panama e terminaria en Colmbia na frontera. Esse es un territorio que tem sido habitado ancestralmente por los s negros y que en ano 91 cuando se reata a la nova constitucion colombiana ese gobierno, atraves de una luta dos pueblos negros nos reconezce como minoria etnica. Pero la historia va mas adiante: el problema não é guerilha, el problema es tierra y território. Hoy sabemos que nos querem quitar los territorios para os projetos y megaprojetos tal caso de la carretera panamericana. Esta en tema conexion eletrica, la mineria en gran escala, banana tipo exportación, cacau, platano [...] es un territorio de los mejores. O territorio abarca desde el oceano pacificio hasta el oceano atlantico. É só que cuando estamos hablando de onde esta marcado el projeto de la carretera panamericana, de la interconexion eletrica y otros projetos estamos habando del gran parte do que chamamos Bajo Atrato que entre otras hay otras comunidades nesta mesma ordem como Juan Mendon, Curvarelo que lo Estado,las emplesas já tienem plantado mas de 7000 hectares de palma azeitera. Cual es lo gran tema: es que han desposado los territorios, han desposado los campesinos. Neste mesmo ano de la operación todos los campesinos han sido mui explorados en sus territorios. Igualmente las comunidades indigenas tambien tienen recuado o seran sido desposadas. Porque ja que entendemos que o problema não é guerrilha, é territorio . Por que hay una política de Estado para extrair los recursos do território. E por eso que ao percorrer o mapa da Colômbia nos pontos vermelhos onde a guerra está mais concentrada lá estão os grandes interesses das empresas e multinacionais. Basicamente estão localizadas as comunidades negras, indígenas y mestizas.
Quando o entrevistado assegurou que 'o problema não é guerrilha, é território' ele o faz demonstrando o que está em jogo: um grande megaprojeto que envolve treze países. No caso, trata–se de um sistema de rodovias que ligará Estados Unidos (Alaska) até Argentina (Patagônia). Pela grandeza da obra imagina–se sua importância econômica, até pelo mencionado na entrevista: conexión en gran escala, banana tipo exportación, cacau, platano [...] es un territorio de los mejores.
A isso se acrescenta a palma azeitera, matéria–prima para a produção de biocombustível. Tudo isso também demanda grandes territórios dedicados ao monocultivo. Por esses motivos, o desplazamiento de campesinos, indígenas e comunidades negras, ultrapassa o conflito armado, uma questão de segurança nacional para tornar–se uma questão de desenvolvimento nacional.
A participação do Estado torna incontestável sua parcela de responsabilidade nos atos de violência praticados contra as comunidades negras, indígenas e campesinas. O alerta que o entrevistado nos faz para a coincidência entre os pontos de conflito e a localização dos megaprojetos é mais uma prova dessa relação.
Autodeterminação e Organização Política
Luiz – A partir desse reconhecimento como minoria étnica que se chama Lei 70 ou Lei das comunidades negras. Aí nós estamos debatendo pela vida e pela morte por un territorio. Nós estamos nos organizando como uma organização com principios e como principios temos: verdade, libertade, justica, solidariedade e fraternidade. Baseados nesses cinco principios temos querido nos autodeterminar como povo. Nos vimos trabalhando com esse projeto de vida de comunidade e autodeterminação com base nos principios de libertade, justiça, solidariedade e fraternidade [...] Esse é o sentir das pessoas que querem lutar pelos territórios. Também graças ao acompanhamento que temos tido da comissão [Justiça e Paz] porque há 12 anos que fomos desplazados e há doze anos que nos acompanham dia e noite. E a comunidade internacional através de agências de cooperação internacional. E nesse marco histórico nos conservamos um pouco da vida, porém com muitas dificuldades com perseguições de militares para hostilizar e tudo o mais [...] e há também o bloqueio econômico..
Luiza – Mestiços são os negros, chilaipas y taipas. Esses são mestiços. As comunidades negras são assim como os quilombos que são só negros. E aqui temos comunidades mestiças, negras, indigenas que moramos em todo o território, porém tem suas demarcações territoriais.
O reconhecimento como minoria étnica trazido pela Lei 70 foi apropriado pelas comunidades negras a fim de se tornar um mecanismo de luta pelo território. Além disso, embasou um processo de construção de autonomia como povo em diálogo com princípios organizativos. Esses princípios parecem ser uma clara influência da Igreja Católica e organizações ligadas a ela , como a Comissão de Justiça e Paz. Nesse sentido, lembram as comunidades eclesiais de base no Brasil, entre os anos setenta e oitenta, as quais atuaram fortemente junto à organizações de trabalhadores rurais, agricultores e movimento operário. Podemos observar que isso também se estende ao suporte político que a Comissão Interclesial Justiça e Paz7 empreende de forma geral, junto às comunidades.
Em atuação conjunta à dimensão religiosa, deve–se destacar também o papel das agências de cooperação internacional que acabam sendo relevantes na luta política das comunidades, quando, por exemplo, furam os bloqueios impostos pelos atores armados e fornecem alimentos, remédios ou exercem pressão política sobre o governo. Outro ponto a destacar nessas falas, é o paralelo que 'Luiz' traça entre as comunidades de palenques e os quilombos no Brasil, destacando que são negros, porém sem deixar de enfatizar que a diversidade etnicorracial compõe o pacífico colombiano. Essa foi a primeira referência à experiência brasileira, mas não foi a única conforme veremos na sequencia.
Regresso ao Território
Luiz – En mi caso particular este no es el momento de volver ao territorio por el peligro. Porque nosotros somos lideres y siempre nos catalogaram como terroristas em nosso próprio país. Essa é a expressão social. Bom, então a gente inicialmente, fomos desplazados, tínhamos 23 comunidades quando voltamos, voltamos a 2 assentamentos. Estamos hablando de [...] não sei quantos temos agora, mas passava de 3000 pessoas só deste território, Cacarica. Então, em 2003 quando voltamos aos assentamentos ali vimos acontecer outro desplazamiento e nos convertemos em 2 zonas humanitárias, demarcamos, delimitamos como populações civil. Esse tem sido um processo bom, porque estamos logrando a resistência, resistência em nosso território, mas algumas pessoas não podem voltar porque suas vidas ficam em perigo. Essa é a grande situação. Nós também organizamos comitês de mulheres, de niños, niñas, jovens, matriarcas y patriarcas – son los mas viejos que temos como autoridade moral em las zonas humanitarias.
Luiza – Também é um perigo voltar lá por que ainda continuam assassinando. Não podemos sair sozinhas a plantar, porque la gente sobrevive de plantio de arroz, maiz, juca, essas coisas..Mas a gente vive numa comunidade, mas a roça fica mais longe e a gente tem muito medo de sair a plantar por ali. Porque com risco de que vão nos pegar, que vamos desaparecer e habitam, vivem ai cerca, vivem pendientes a las comunidades e podem te dar um papayazo, então la gente vive organizado, mas com extrema desconfiança que se possa ser assassinado ou desaparecer. Eu faço parte do comitê de mulheres porque nos cabe resistir, apoiando nossos maridos, filhos, empenhando por uma autodeterminação e gerar recursos. As mulheres aprenderam a coser em máquinas e isso ajuda muito.
Os perigos eminentes de vida que essas lideranças sofrem ao regressar para seus territórios, retomam a discussão anterior sobre a 'Ley de Victimas' e a restituição de terras. A ação violenta continua a fazer parte da realidade dos sujeitos, além disso, precisam reorganizar o território como zonas humanitárias, um processo autônomo em que o espaco territorial se converte em zonas humanitárias, conforme explicação:
Después de 10 años de violaciones sistemáticas de los derechos humanos reflejadas en crímenes de lesa humanidad, como los desplazamientos forzados, de padecer la destrucción de su identidad cultural por el arrasamiento ambiental de sus territorios por prácticas empresariales ligadas con la violencia, las comunidades mestizas y afrocolombianas de Cacarica, del Curbaradó y del Jiguamiandó (Chocó), han construido alternativas de sobrevivencia en su territorio que han llamado Zonas Humanitarias y Zonas de Biodiversidad. Otras comunidades campesinas, afrodescendientes y pueblos indígenas han desarrollado también mecanismos para exigir el respeto de sus derechos humanos que han denominado Comunidad de Paz, Comunidades en resistencia, o Asambleas permanentes. Las Zonas Humanitarias y las Zonas de Biodiversidad proponen una aplicación concreta del derecho internacional de los derechos humanos y del derecho humanitario que garantizan los derechos de la población civil a una vida digna y un ambiente sano y reconocen la existencia de territorios en los que esta pueda encontrar refugio y por lo tanto vedados para la guerra. (Bouley: Rueda, 2007, p.12)
Quando os entrevistados regressaram ao território de Cacarica (Chocó) elaboraram a primeira proposta de zona humanitária no país. Nessa proposta fizeram uso do direito internacional para criar um território de refúgio, um modelo de organização social capaz de fazer frente `a situacao que encontraram ao regressar: bloqueio econômico, instalação de uma base paramilitar dentro do território e instalações do agronegócio voltadas para o monocultivo de palma africana, madeira e banana.
Seguindo o exemplo de Cacarica, outras comunidades com histórico similar de desplazamiento, violência e imposição de monocultivos, constituíram–se como zonas humanitárias. Foram elas as comunidades de Jiguamiandó , Curbaradó (Chocó), a Comunidad de Vida y Trabajo de la Balsita Dabeiba (Antioquia), e Comunidad Civil de Vida y Paz del Ariari (Meta) que o fizeram com apoio da Comissão Justiça e Paz, além de organizações internacioanis. Nesse formato jurídico conseguiram alguma proteção e apoio humanitário, além de conseguirem se organizar internamente através de comitês que promovem coesão social e construção de alternativas de trabalho e geração de renda.
Um Horizonte Possível: Brasil
Luiz – Salimos porque tiene el desplazamiento porque han matado a mucha gente. Llega un momento en que un líder tiene que dormir lo suficiente. Ha pasado un tiempo te cansas. Tomamos 7, 8 años más o menos cuando vamos a Brasil. Yo estaba cansado, a veces yo estaba comiendo y dijo, los paramilitares llegaron. Me mataría. Ellos dijeron: 'Vete'. Así que seguimos haciendo resistencia. Las cosas pasan, muchas cosas, pero nosotros, somos los líderes No sé si eso es bueno registrar eso, pero nosotros, por ejemplo, en Brasil cuando nos quedamos en [xxx] tuvieron la oportunidad de conocer a algunas personas que trabajan con los quilombos algunos sacerdotes y líderes como el Pedrinho que también es negro como nosotros. Cacarica como organización cuando hacemos reuniones internacionales y entonces la gente viene de Brasil, especialmente el Movimiento de los Sin Tierra. También en otros países, mantenerse en contacto con casi todos los países del mundo, las personas, las comunidades organizadas, ONG de derechos humanos [...] De hecho, seguimos político Brigadas Internacionales en España, una organización, una ONG acompañamiento international evitar [...] También contamos con el apoyo de agencias de cooperación internacional en el momento oportuno. Nuestra idea es mantener el entrelazamiento con todos los pueblos de América Latina, especialmente los negros, dando a conocer lo que hacemos, lo que estamos pasando. Estamos tratando de construir una propuesta de hoy .. ¿por qué en el mundo que con una pistola y otro con no voy a hacer nada. Como uno de la comunidad propuesta que podemos hacer como hizo con PT 20 y tantos que luchan por tener un presidente. Estamos empezando aquí ha sido más difícil, pero los restos idea está allí.
A fala sobre o Brasil como um refúgio para desplazados foi uma grata surpresa além do contato que eles tiveram com lideranças locais do movimento negro e de comunidades quilombolas. Esse 'entrelazamiento' foi ressaltado entre as experiências de contato com 'todos los pueblos de América Latina, especialmente los negros' e busca de um modelo político inspirado no Partido dos Trabalhadores. Em face do temor em revelar maiores detalhes sobre a vinda para o Brasil e deste como rota de fuga para lideranças negras vitima dos desplazamiento, foi omitida a região do país de destino. Quando pediram para não detalhar o assunto, disseram que isso também se devia ao fato de que precisariam fugir novamente da Colômbia, sendo o provável destino, o Brasil. Sendo assim, não queriam correr o risco de que algo pudesse ser revelado e os expusesse ao perigo de morte. Alguns meses depois, soube que houve uma mudança de planos e o casal foi para a Venezuela.
O Brasil como um horizonte possível surge no diálogo entre movimentos sociais, tais como citado aqui: movimento negro e movimento sem–terra. Além disso, o referencial político partidário se aproxima de suas projeções. Assim, interligam– se dimensões de uma problemática comum, mas também a busca por soluções comuns.
Antes de iniciar as entrevistas, um questionamento de cunho pessoal tornou– se presente: o que eles esperavam desse trabalho? Qual a expectativa? A resposta veio e selou um compromisso.
Luiz– Esperamos que você vuelva y tiene la oportunidad de llegar a nuestro territorio. Porque aquí en la ciudad se pueden ver muchos negros, pero no todos están en esta lucha por el territorio. Sin embargo, en las comunidades a las que se dará cuenta de la vida que llevamos como resiste el territorio. Seria bueno para nosotros, bien por ti. Y bueno, llevar este mensaje a Brasil. Muy buena gente. No podemos decir nada, nos trataron muy bien. Usted puede tomar nuestro corazón a los brasileños. Tenemos en nuestra organización, Caucaricanos en Colombia, una oportunidad para construir la paz o al menos una propuesta que nos dirigimos como bueno. Somos dueños de la educación, estamos tratando de ser dueño de la medicina. estamos tratando de hacer las cosas en nuestro país ya iniciamos.Porque tomó la cultura de los negros. Hoy estamos tratando de recuperar en nombre de nosotros. Por ejemplo, yo no sé qué hablar de mis antepasados , nuestros antepasados llegaron aquí [...] el descubrimiento de que no era realmente un descubrimiento; En cambiaram traídos de África y nuestra identidad. Y gostemos, una cosa muy interesante es que la cultura negro es muy fuerte en comparación con nuestro país. Todavía quedan, estamos tratando de recuperarla. Porque ni en la escuela ni en los colegios es esta cultura negro. Se ha comenzado ya [se refiere a la Ley 10639/03] aquí no ha comenzado todavía. Sin embargo sólo lo que están haciendo es la comunidad y las organizaciones de derechos humanos [...]
Luiza– Eso es lo que tenemos que decir, expresar nuestra lucha por estar en el territorio, ya que es el futuro de nuestros hijos, es lo que nuestros antepasados nos dejaron y queremos continuar. Para que nuestra cultura no se pierda.
O diálogo Brasil–Colômbia mostrou–se fértil e pleno de possibilidades de perceber o que ocorre com as comunidades negras em diferentes, mas nem tão distantes contextos. O resultado disso foi a escuta e devolutiva; o intercâmbio de experiências e o compromisso diaspórico selado. Despedidas foram efetuadas sem ter certeza de um reencontro, mas na confiança da partilha daquilo que fora construído aqui.
Considerações Finais
Ao longo desse artigo, o processo de desplazamiento esteve no centro de uma problemática que envolve as desigualdades sociorraciais vivenciadas pela população afrocolombiana. Agora, ao término desse texto, tenho a noção da necessária continuidade dessa e outras reflexões motivadas pelo desafio de compreensão das relações etnorraciais no cenário brasileiro e latino–americano. Nas interconexões teóricas de arenas e esferas sociais; contextos local/global, o viés analítico transnacional, surge como uma proposta dialógica entre realidades próximas de países como Brasil (1988) e Colômbia (1991) que reconhecem nas suas constituições direitos etnicorraciais e territoriais. Atualmente, no caso brasileiro as reivindicações territoriais das comunidades quilombolas estão centralizadas na titulação do território, ou seja na emissão, pelo Estado, do documento oficial que assegura os direitos de reprodução física, social e cultural das comunidades em seus territorios. Esse tem sido um processo lento que não dá conta da demanda existente, bem como enfrenta os interesses contrários de fazendeiros, empresários do agronegócio das obras e projetos de desenvolvimento governamentais.
Sem o reconhecimento oficial dos direitos sobre o território, as comunidades ficam sujeitas a toda forma de violência de quem quer explorar e/ ou expulsá–los do território, bem como encontram maiores dificuldades em acessar aspolíticas públicas que poderiam favorecê–las.Nesse sentido, penso que o lastro comum das políticas públicas direcionadas para as populações negras requer atenção para a complexidade da dinâmica entre novos sujeitos de direitos e o poder público. No plano teórico, além de ser possível atentar para a gestão pública como campo de conhecimento, também remexe com o 'esqueleto no armário' que representam os conceitos de 'raça', 'desigualdades', 'racismo' que tanto já foram base de estudos temáticos e, mais recentemente, serve aos debates sobre as conseqüências sociais aplicadas à sociedade de seus usos e desusos.8
E por falar em conseqüências, entendo que o desplazamiento ainda parece um fenômeno invisível, distante da nossa realidade, embora possua uma concretude dolorosa para aqueles que o vivenciam. No entanto, assim como Maria e o casal de Choco, espero que o horizonte possível dessa problemática seja desvelar seu conteúdo perverso e evidenciar as possibilidades de explicar e desnaturalizar seus efeitos sociais.
O casal chocoano vê no 'entrelazamiento' con todos los pueblos de América Latina, especialmente los negros o horizonte possível da construção de um modelo político alternativo ao que está posto atualmente. Já Daira, concebe a resistência cultural como a chave para um papel de protagonismo nesta geração e nas futuras. Já a rota de fuga (Brasil–Colômbia) dos desplazados que vão e vem em busca de horizontes possíveis de retomadas de suas vidas e territórios, ilustra a proposta de percorrer os diálogos, problemáticas e as possibilidades das comunidades negras em contextos transnacionais.
NOTAS
1 NRC foi criada em 1946 para ajudar os refugiados na Europa após a Segunda Guerra Mundial. Hoje NRC está organizada como uma fundação independente privada que atua em estreita colaboração com a ONU – Organização das Nações Unidas e outras agências de ajuda humanitária na Noruega ( sede da NRC) e em outras partes do mundo.
2 Essa categoria, ainda que não seja a mais usual, aparece em estudos como The Afro–Latin Diaspora : Awakening Ancestral Memory, Avoiding Cultural Amnesia (Jameelah Xochitl Medina); America Afro–Latina 1800–200 (George Andrews) ou ainda Afro–Latino Voices: Narratives from the Early Modern Ibero–Atlantic World, 1550–1812 (Kathryn Joy McKnight). O uso mais recente da categoria ocorre no Observatório Afro–Latino e Caribenho, um portal criado em 2009 pelo governo brasileiro para compartilhar e integrar políticas públicas de valorização da cultura negra no contexto latino e caribenho.
3 Fonte: DANE – Departamento encarregado das Estatísticas em Colômbia.
4 A pesquisa comparativa, com base nos dados do censo 2005, abrangeu populações afrocolombianas, brancas e mestiças nas cidades de Bogotá, Cali, Medellín, Cartagena, Pereira, Buenaventura, Quibdó, San Andres e Providência.
5 São eles: Antioquia, Cauca, Choco, Narino e Valle Del Cauca. Por 'Departamento' entende–se uma subdivisão territorial que possui governador e assembléia eleitos. Cada departamento divide–se em municípios, os quais se subdividem em corrigimientos.
6 O seu nome real será preservado em função de acordo estabelecido para a entrevista.
7 A comissão se define como ' una organización de sectores de iglesias que realiza acompañamiento con presencia física permanente en comunidades campesinas, afrodescendientes, indígenas, desplazadas o regresadas a sus territorios en Antioquia, Cauca, Chocó, Meta, Valle del Cauca, Putumayo; su actividades en el ámbito pedagógico, jurídico, comunicativo y psicosociales, se enmarcan en los Derechos Humanos, el Derecho Humanitario y el derecho de los pueblos'. Fonte: http://justiciaypazcolombia.com
8 São exemplos dessa base de estudos contemporâneos brasileiros em diferentes áreas das Humanidades, os trabalhos do sociólogo Antonio Sérgio Alfredo Guimarães (Racismo e Antirracismo no Brasil); do antropólogo Kabengele Munanga (Algumas Considerações sobre Raça, Ação Afirmativa e Identidade Negra no Brasil); da filósofa Sueli Carneiro (Racismo, Sexismo e Desigualdade no Brasil) e do cientista político João Feres Júnior (Guia bibliográfico multidisciplinar: ação afirmativa: Brasil, EUA, África do Sul, Índia). Também há autores que estão problematizando essas questões na interface entre Brasil e Colômbia, tais como os antropólogos José Mauricio Arruti (Direitos Étnicos no Brasil e na Colômbia: notas comparativas sobre hibridação, segmentação e mobilização política de índios e negros) e a socióloga Claudia Mmosquero Rosero–Labbé (Acciones Afirmativas y ciudadania Étnico–racial Negra, Afrocolombiana, Palenquera y Raizal).
REFERENCIAS
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Bouley, C. y Rueda, D. (s.f.). Zonas Humanitarias y Zonas de Biodiversidad: Espacios de dignidad para la población desplazada en Colombia. Recuperado el 15 de junio de 2011 de http://justiciaypazcolombia.com/IMG/pdf/Uexternado_Finalvb.pdf.
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